- A rígida crítica de Saramago a Lisboa do séc.XVIII
Devia pensar antes de fazer certas suposições, pois, um dia antes da morte de Saramago, ao pegar Memorial do Convento da estante para lê-lo, pensei comigo mesmo, Nossa, o Saramago já está em idade tão avançada, talvez ele venha a falecer e eu não concretize meu desejo de conhecê-lo, enfim, deu no que deu, as notícias do dia seguinte não estampavam outra coisa, em suma, Morre o escritor português José Saramago aos 87 anos, como diriam, Você e essa sua bendita língua, bem sei que a minha inocente conjetura em nada afetou na saúde do escritor, mas, enfim, vamos desenrolando esse carretel porque eu não estou aqui pra dizer o que acontece na minha vida ou o que deixa de acontecer, caso fosse, estaria escrevendo no Twitter. A propósito, Saramago em entrevista ao O Globo falou sobre esse fenômeno que é o Twitter, Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos, a tendência para o monossílabo como forma de comunicação, e completou sentenciando, De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido. Pois digo, então, Falemos ó povo, sáiamos desse inquieto silêncio preguiçoso em que entramos. Sim, como havia dito, desenrolemos esse carretel e deixem-me ir ao que me proponho, traçar uma crítica imparcial e honesta de um dos maiores sucessos do mestre da literatura portuguesa atual, bom, acho que não estou sendo tão imparcial assim. O romance de traços históricos misturados à pura fantasia possui vários arcos narrativos, temos as seguintes histórias, o padre Bartolomeu Lourenço e seu desejo acadêmico e pagão de construir uma passarola para subir aos céus, onde somente a Santíssima Trindade deveria estar, o casal deslocado de seu tempo, formado pelo soldado maneta Baltazar, de alcunha Sete-Sóis, e pela extra sensorial Blimunda, por complemento Sete-Luas, o caso real de infertilidade da rainha D. Maria Ana Josefa e a promessa de seu rei D. João, quinto do nome na tabela real, aos franciscanos de se construir um convento em Mafra caso venha a nascer o herdeiro real no tempo de um ano. Apesar do nome, Memorial do Convento, muitos especialistas literários perdem seu tempo discutindo se realmente a obra é um memorial, deixo este trabalho irrelevante àqueles que a ele o cabem, porém, é do consentimento de todos os leitores do livro, que a obra é acima de tudo uma severa crítica a Lisboa do século XVIII, ao clero e à corte, ambos pomposos e negligentes com o povo, e também à desumanidade da guerra, onde um soldado perde uma mão e volta para casa maneta e desolado. Destaque do livro para o capítulo em que o autor descreve a locomoção de uma enorme pedra de um vilarejo ao outro, tarefa onde foram empregadas cem pessoas e quatrocentos bois, narrado de tal forma realística que o próprio leitor sente-se fatigado ao ler tal monumental serviço. Fica claro ao decorrer da obra de que lado o autor se encontra, do lado dos fracos e oprimidos, referindo-se a eles de forma respeitosa e séria, contrário ao tratamento dado aos personagens clericais, excetuando o rebelde Pe. Bartolomeu Lourenço, e da realeza, sendo motivos de ironia e constante crítica. Talvez o pontinho fraco deste romance, na opinião do mero leitor que vos fala, seja o fato do autor se prender a fatos históricos, se compararmos Memorial com Ensaio sobre a cegueira ou com Intermitências da morte, veremos mais desenvolvidamente uma das maiores qualidades de José Saramago, criar situações imaginárias totalmente possíveis quando tratadas de forma realista.
"Era uma vez um rei
que fez uma promessa de levantar
um convento em Mafra
Era uma vez a gente
que construi esse convento
Era uma vez um soldado maneta
e uma mulher que tinha poderes
Era uma vez um padre
que queria voar e morreu doido
Era uma vez "
MUITO BOM